Você se Lembra?

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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Santarém mata a sua alma. Vamos parar com esse crime?

Não quero fazer deste artigo um chororô, nem denunciar o que já se sabe. Apenas relembrar alguns absurdos e convidar os indignados a encontrarmos uma forma de impedir que isso tudo continue. 

No mês passado, após retornar de uma das frequentes viagens a Santarém e noticiar o esbulho do prédio da antiga Padaria Lucy, cuja parede frontal estava sendo empurrada para a calçada a título de esconder um prédio que se ergue por detrás e cujas obras se fazem sobre os escombros da velha edificação, fiquei ainda mais apreensivo ao ler que outro “empresário” simplesmente fizera o mesmo com o Solar dos Macambiras, na rua Siqueira Campos. Neste caso, houve alguma reação e até um velório foi ensaiado. 
Pois bem, ou pois mal, essa tem sido a regra no trato da herança cultural de gerações passadas, inclusive de gerações que antecederam a cultura europeia que se implantou no século 16, como veremos mais adiante. 

Pela memória: nos anos 1960 o prefeito Everaldo Martins, de Santarém, uma das cidades mais antigas e conhecidas da Amazônia, mandou demolir o Teatro Victoria para transformá-lo em Câmara de Vereadores. Antes, o teatro já servia de Biblioteca Municipal, cujo acervo foi todo para o fogo a mando do capitão Elmano Moura Melo, interventor militar, sob argumento de que ali só havia “livros velhos”. Bem antes ainda, o modesto e belo teatro já fora depósito de fardos de juta. 

Foi esse mesmo prefeito militar que mandou derrubar todas as mangueiras das duas principais avenidas da cidade nos anos 60, a Rui Barbosa e a São Sebastião, para em seu lugar plantar acácias que a Celpa nunca deixa crescerem. Igualmente como fez o ex-prefeito Joaquim de Lira Maia, hoje deputado federal e ex-candidato a vice na chapa de Hélder Barbalho. Maia mandou botar no chão todas as árvores de um trecho da travessa Assis de Vasconcelos, sem a menor necessidade, para passar asfalto. 
 
Só para recordar: o Teatro Victoria foi um empreendimento de pessoas simples de Santarém quando a cidade tinha apenas 5 mil habitantes, na última década do século 19. Quando a obra estava quase pronta, o governador da Província do Pará conseguiu que o parlamento provincial aprovasse uma verba para a conclusão da obra. O dinheiro foi recusado pelos jovens de um grupo teatral que arrecadava os recursos com as suas apresentações. Portanto, junto com o prédio, foi-se também um momento particularmente significativo da auto-estima de uma cidade que hoje pouca auto-estima tem por si mesma.

Mais ou menos pela mesma época deu-se início a uma certa “reforma da catedral”, com pedido de dinheiro em programas da Rádio Rural, notadamente pelo radialista Osmar Simões. A reforma, na verdade, redundou na completa descaracterização interna do belo edifício religioso, moldado na arquitetura clássica e dotada de um forro que atraía visitantes de todo o Brasil. A beleza arquitetônica ficou por fora; por dentro, uma igreja igual a tantas outras, sem história e sem a riqueza da arte religiosa.  

Um pouco antes, botaram abaixo a belíssima capela de São Sebastião, construída pelos escravos, dado que a eles não era permitido entrar em igreja de branco. Em seu lugar, está lá um templo de arquitetura modernosa, lembrando as edificações do sul dos Estados Unidos, com as paredes cheias de buracos para a suposta entrada do vento. 

Nos anos 1980, no governo do prefeito Ronan Liberal, nada se fez para impedir que o Castelo, belíssima edificação dentro das águas do Tapajós, ruísse até sumir no rés do chão e das águas, como diria Benedicto Monteiro. E a cidade perdeu uma parte de sua cara e de sua história, pois foi ao redor e dentro do Castelo que um numeroso grupo de pescadores, no final do século 19, emparedou e expulsou um grupo de empresários portugueses que capturavam enormes quantidades de pescado para exportação, em prejuízo dos pescadores artesanais.  


O casarão do Barão de Santarém, Miguel Antonio Pinto Guimarães, ex-vice e ex-governador da Província do Pará, teve arrancados todos os azulejos originais de sua bela fachada, sina que marca diversos outros casarões históricos. 

Dos nossos avós, os índios Tupaiús, da opulenta coleção de sua cerâmica, que rivaliza com a dos povos do Marajó, restam poucas peças, alguns cacos que ficaram após a morte do colecionador Ubirajara Bentes de Souza. O melhor da coleção está no museu de antropologia da USP, em São Paulo.
Um breve inventário encontrará muito mais absurdos, como este: o historiador João Veiga dos Santos me contou certa vez que chegou ao Colégio Santa Clara e percebeu uma fogueira debaixo de uma árvore. Bibliófilo, ele correu a tempo de retirar da fogueira alguns exemplares de “livros velhos”. Entre estes, estava a Chronica do Padre João Felipe Bettendorf, festejado pelo mundo oficial como o “fundador” de Santarém. Ocorre que, segundo João Santos, naquele momento aquele era talvez o único exemplar da Chronica existente na cidade. Mais tarde foi reeditado pela editora da Universidade Federal do Pará. O mesmo colégio, com a sua tradição, teve arrancadas todas as mangueiras que enfeitavam o seu redor, seguindo a tendência geral de devastar uma cidade que, há três ou quatro décadas erguia-se debaixo de um imenso arvoredo urbano e era bem mais refrescada. Hoje todos se queixam do aumento do calor ao mesmo tempo em que se prossegue o desmatamento urbano. 

Trata-se de uma cidade que se decanta pelas suas belezas naturais e onde, no entanto, nada se está fazendo para, pelo menos, saber o quanto de poluição e contaminação estão descendo pelo Rio Tapajós, provenientes dos garimpos, em direção à foz, para possivelmente enlamear as suas mais belas praias, inclusive a decantada e celebrada Alter do Chão. 

Fonte: http://blogmanueldutra.blogspot.com.br/

Um comentário:

  1. Parabéns pelo blog !!

    E bonito ver que ainda existe pessoas preocupada com a cultura de nossa cidade, muito bom o bolg ..

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