Você se Lembra?

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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Quem nunca ouviu falar da famosa escadaria do Frei Ambrósio?



Um Prado de Corridas em Santarém


Santarém não é bem a terra do “Já teve” como queria um cabloco ali na praia, mas não está muito longe de merecer essa piada. 

Embora vocês não acreditem, em nossa terra já existiu e funcionou um Prado para corridas hípicas – o “Hipódromo do Jóquei Clube”, com apostas, poules, etc. etc.
Em 1912, após umas corridas hípicas de amadores, realizadas ao longo da Avenida São Sebastião, com apostas e prêmios aos vencedores, alguns aficcionados do esporte “c a v a l a r”,  entusiasmados com o sucesso, acordaram na construção de um Prado de corridas. Formada a comissão organizadora – principais autoridades locais desse tempo e numerosos acionistas, foi conseguido o terreno com a Intendência Municipal e incumbindo o agrimessor Anísio Chaves de escolher o melhor local, medir o terreno e fazer o orçamento, etc. Uma vez terminada a abertura da pista, houve, a 7 de setembro desse ano de 1912, a inauguração  festiva do Hipódromo santarenense. Eis como o jornal “O COMÉRCIO” descrevia o Padro: “O serviço começou a 10 de julho do ano em curso, às 3 horas da tarde, iniciado pela delimitação da área, pelo agrimessor municipal, Anísio Chaves, cuja dedicação desinteressada já tivemos oportunidade de referir, em companhia do Dr. Oscar Barreto, Júlio Castro, Altino Nóvoa e Álvaro Pinheiro que foram convidados para superintenderem o serviço. O traçado da pista dói mito bem delineado, tendo 700 metros de longo com 20 de largura, comportando perfeitamente oito concorrentes. Cada curva tem 250 metros e cada reta 100 metros. Pelo lado interior da pista se ostenta o elegante pavilhão para os juízes de chegada, e pelo lado externo se acha localizada a arquibancada construída com muita solidez e elegância, comportando cerca de 300 pessoas. Ao lado fica situado o compartimento destinado à venda de poules. Pouco adiante está do bar. Diversas mesinhas de madeira bem disposta por baixo do arvoredo frondoso, comportam grande número de pessoas”.

A inauguração oficial foi às 4 horas da tarde, sob a presidência de toda a Diretora composta de Luiz Vieira Bastos, presidente; José Marques Pinto, vice; presidente de honra o Intendente Municipal, coronel Galdino Veloso Pereira. Logo depois tiveram início as corridas. Houve 5 páreos, sendo um de 750 metros, outros de 1.200, outro de 950, outro de 800 e o último de 1.500 metros. Muitas apostas e grande entusiasmo popular marcaram a entrada do novo esporte em Santarém. Os ingressos custavam 1.000 réis a arquibancada e 500 réis a geral. Correram 14 animais.

Iniciado com invulgar entusiasmo, o hipismo mocorongo entretanto, foi pouco a pouco perdendo o primitivo élan e dentro de menos de um ano de vida, o Jóquei Clube de Santarém deixou de existir...

Fonte: (Da série Garimpando - "Jornal de Santarém" de 10.12.1966) Livro Tupaiulândia

quinta-feira, 26 de abril de 2012

UM MILHÃO DE DÓLARES EM CERÂMICA TAPAJÓ

Em Santarém, Pará, ao lado do Hotel Nova Olinda, há um escritório de advocacia de características exclusivas no Brasil: ali se acha a maior coleção de arte tapajó do mundo.
O dr. Ubirajara Bentes, natural de Belém, onde se formou em direito, reside em Santarém desde 1940, quando iniciou sua fabulosa coleção, hoje com mais de 30 mil peças. Para se fazer uma idéia do que isso significa, basta dizer que é mais do dobro do que possui o Museu Emílio Goeldi, de Belém, especializado na matéria. 


Nossos índios e sua arte           
Durante muito tempo, foi dito que os nossos índios tinham uma cultura pobre, atrasada e, portanto, nada tinham produzido em obras de arte. De todo o Brasil, apontava-se como exceção única a cultura marajoara.

Um dia, em 1923, Unkel Nimuendaju, cientista alemão do Museu de Bonn, descobriu que, no vale do Rio Tapajós, houve civilizações pré-cabalinas à altura daquelas do México e do Peru. Suas pesquisas no local enfrentaram alguns obstáculos e até incidentes tristes e pitorescos. Conta-se em Santarém que, certa noite, um português, observando o cientista alemão cavando incansavelmente nos arredores da cidade, concluiu que aquela “louça velha” era um pretexto: o alemão estava procurando ouro. E, aguardando que o alemão ser retirasse, iniciou suas escavações. Naquela noite, centenas de cerâmicas  de valor inestimável foram destruídas pela picareta do Manuel.

Mas muita coisa ficou por lá, e a coleção de Ubirajara é um desmentido concreto à tese do atraso e pobreza cultural dos nossos índios.


Uma teoria das migrações
De tanto estudar a vida indígena, o advogado Ubirajara Bentes tornou-se expert no assunto. E construiu teorias próprias. A das migrações, por exemplo: 

- As raças humanas são provenientes de duas raízes principais: uma imediatamente acima do Equador e outra imediatamente abaixo. Essas duas correntes emigrarão sempre horizontalmente, sem nunca se tocarem.

Ubirajara apresenta provas. Entre outras, o fato de as flechas de todas as tribos encontradas abaixo do Equador serem idênticas, dentro de cada tipo.

A noticia mais antiga que se tem dos índios da região dos Tapajós foi legada por Batendorf que, no século XVII, escreveu a crônica de um missão jesuíta por aquelas bandas: “As mulheres carregavam o vinho até uma clareira chamada Terreiro do Diabo, onde eram obrigadas a agachar-se e tapar os olhos para não verem os homens que dançavam e bebiam cerimonialmente. Os feiticeiros então tomavam a palavra, fazendo acreditar tratar-se da voz do próprio diabo”. (Note-se que o vinho em questão era feito de arroz. Quanto a mulheres tapando os olhos, são bastante comuns na estatuaria primitiva.
 

 
Coleção vale um milhão
A cerâmica Tapajó se divide em cinco grandes estilos, cada um correspondendo a uma época diferente e, provavelmente, também a tribos diferentes. As mais primitivas são as peças pertencentes ao grupo da pedra preta e do barro bruto. Seguem-se o barro preto, o barro amarelo e o barro pintado. Tais cerâmicas são facilmente distinguíveis da arte marajoara: os motivos são mais realistas, geralmente zoomórficos ou antropormóficos, enquanto que a cerâmica de Marajó quase sempre apresenta formas não realistas ou estilizadas.

A coleção de Ubirajara é farta em exemplos de todos esses estilos e suas variações. Mas o colecionador luta com um problema: falta de espaço. Há caixotes de peças que ele nunca mais abriu, desde o dia em que foram arrancadas da terra. E o que esta exposto fica em prateleiras pequenas e inadequadas, o que torna sua exibição trabalhos e mesmo perigosa: há sempre alguém querendo furtar as preciosidades.

Preciosidades, literalmente. Basta dizer que uma instituição americana ofereceu um milhão de dólares pela coleção de Ubirajara Bentes. Ele diz que não vende, é claro. Não deseja ver aquelas peças saírem do Brasil. Gostaria, sim, de ver sua coleção adquirida pelo próprio governo brasileiro, para preservar, intacto e inseparável, esse patrimônio de enorme valor cultural.

Fonte: Revista O Cruzeiro - Julho de 1972


Um amargurado comprador de caretas na desmemoriada Santarém

“Eu não conheço, em qualquer parte do mundo, coleção semelhante a esta, seja em museu (público) seja em acervo particular, pela sua quantidade e arte”.

A impressão deixada pelo geólogo Hans Gotha, da universidade de Strelitz, Alemanha, há 14 anos, no livro de registros  de visitas  do museu particular do advogado Ignácio Ubirajara Bentes de Souza, em Santarém, apresenta um enorme contraste com o atual desencanto de seu proprietário. “Depois de mais de 30 anos de trabalho paciente, juntando e recompondo o que restou da espetacular cultura dos Tapajós, eu hoje sinto-me simplesmente um homem espoliado”, diz ele.

Na verdade, não apenas velho o advogado foi espoliado, senão também a própria Santarém e a região que perdeu para São Paulo praticamente todo o acervo: das 28 mil peças catalogadas, 25 mil estão hoje no museu da universidade da USP e o que resta em Santarém, 3 mil peças, está longe de mostrar o esplendor de uma rica e mal conhecida cultura que tanto empolgou estudiosos do assunto, cientistas, arqueólogos e museólogos de todos os continentes. Sintomaticamente foi do exterior que partiram as mais tentadoras propostas de compra, onde o acervo parece melhor ter sido conhecido que mesmo no Brasil.

Explica Ubirajara Bentes de Souza que “além do impedimento legal, foi o patriotismo que me impediu de vender isto para o estrangeiro”, sentindo-se ainda satisfeito pelo fato de sua coleção encontrar-se no país.

Com documentos, ele mostra o longo esforço desenvolvido às autoridades municipais e estaduais e os mais diversos órgãos com algum interesse no assunto, no sentido de que o museu ficasse, quando não em Santarém, pelo menos em Brasília. As evasivas de políticos, governantes e até de um  ex-ministro com raízes no Pará, documentadas e cuidadosamente arquivadas, levaram o persistente colecionador  a aceitar, em 1971, a oferta de 300 mil cruzeiros, oferecidos pela Universidade de São Paulo, que deu direito aos compradores a escolher o que de melhor havia da cerâmica dos cultos Tapajós. Assim mesmo, esclarece ele, a venda só se consumou devido a dificuldades financeiras que ele enfrentava naquela época. E as peças acabaram custando apenas 170 mil cruzeiros.

Um milhão de dólares
Porém a oferta mais tentadora, de cuja veracidade muitos chegaram a duvidar, partiu do comerciante americano George Victor, em 1966. Ele ofereceu simplesmente a soma de um milhão de dólares pelo tesouro indígena, com a intenção manifesta de transformá-lo em exposição volante que partira de Nova Iorque para as demais cidades estadunidenses. Entre as dezenas de ofertas, com freqüência estrangeiras, há algumas que apresentam lances de filme policial. Certa vez um grupo também norte-americano propôs a compra do acervo de Ubirajara. Como a saída do País seria embargada pela Alfândega, eles elaboraram um plano vestindo batinas, feito padres, eles fariam algumas viagens a Santarém, e levariam parte por parte o material para assunção, no Paraguai, de onde rumariam para os Estados Unidos. O plano, evidentemente, não se consumou, de vez que era desejo do proprietário ver a cerâmica, Tapajós ficar no Brasil, além dos riscos de tal operação.

“Eu vivia sobressaltado, sobretudo depois que os jornais e revistas começaram a divulgar minha coleção”, confessa Ubirajara. Acrescenta que depois da visita dos gringos passou a temer uma possível investida de alguma quadrilha internacional, dado o interesse demonstrado pelas peças indígenas e a negativa da venda. A necessidade de vigiar permanentemente pelo acervo, juntamente com suas obrigações de advogado e empregado de uma empresa de navegação impediram, em 1968, uma viagem ao Japão, a convite do governo daquele país, para expor uma parte da cerâmica indígena na Exposição Internacional de Tóquio patrocinada pelo jornal Youmiuri, por ocasião dos jogos da primavera.

“Depois disso tudo, - desabafa o advogado, a exposição do meu material lá em São Paulo nem sequer cita o meu nome como responsável pelo achado”. Acrescenta que os novos donos do acervo inclusive já patrocinaram uma reportagem numa revista nacional, apresentando a cerâmica Tapajós como a mais completa no gênero na América do Sul, talvez insinuando ter sido obra do esforço dos atuais donos.
 
A cerâmica dos primitivos habitantes de Santarém, povo cuja real estatura ainda está por ser estudado, é considerada por muitos como sendo mais importante que a Marajoara. No dizer de um integrante de uma missão científica japonesa que chegou a filmar as peças para a TV de seu país, o acervo do dr. Ubirajara pode constituir-se num “passo largo para sairmos das idéias acadêmicas (...) sobre as origens do ser humano”. Para o jornalista David St. Clair, do Time-Life, “esta é a mais incrível coleção da pré-história amazônica que deve ser estudada por todos os interessados na América Latina” e pergunta – “quem sabe quais os novos trilhos que serão abertos pelo mistério de Santarém?”

Em resumo, a coleção completa das obras dos índios Tapajós, na época que ainda se compunha de 28 mil peças, era composta de urnas funerárias, algumas com  ossos petrificados ou cristalizados, vaso de cariátides, vasos de gargalo, vasos globulares, pratos com adornos, vasos estilizados e pintados, ídolos grandes modelados na pedra, cachimbos, machados, peças de arte em geral e fósseis, além de flexas, arcos, bordunas, instrumentos de suplício, colares, plumas, redes, muiraquitãs e milhares de pequenas peças seriadas.

Os riscos de colecionador
Certa noite alguém bateu a porta da casa de Ubirajara. Era um homem que se apresentava como professor da Universidade da Bahia, acompanhado de um grupo de crianças. Pediu para ver o museu, porém dada a impropriedade da hora, o dono da casa começou a desconfiar das intenções do visitante que talvez tentasse utilizar as crianças para roubar as peças. Ubirajara explicou que as peças estavam encaixotadas e com essa evasiva despachou o estranho visitante. Dias depois recebe notificação da Polícia Federal chamando-o para explicar-se sobre uma denúncia de que estava com toda a coleção embalada para enviar para um país estrangeiro. 

Nascido em Belém, o advogado Ubirajara Bentes, 63 anos, em Santarém, desde 1953, depois de morar 13 anos em Alenquer, sempre teve paixão por colecionar raridades. Antes da cerâmica indígena, ele colecionava moedas e afirma que chegou a ter em mãos uma moeda assíria de 1218 anos antes de cristo. Há poucos anos ele vendeu um grupo de mais de 100 imagens a um conhecido político maranhense por 16 mil cruzeiros, hoje avaliadas em 500 mil. Entre suas peças raras havia inclusive uma imagem do senhor dos passos, “vertebrado” que se ajoelhava, sentava e mexia com os braços que seguravam a cruz.

Único filho homem de um comandante fluvial, Ubirajara tem 5 filhos, um deles deputado estadual atualmente. Aos filhos ele presenteou recentemente com os muiraquitãs autênticos de sua coleção.

Desencantado, ele vive hoje da exclusiva atividade de advogado. Contudo, guarda com carinho todos os documentos, publicações as centenas em jornais e revistas, fotos de visitantes ilustres, além dos livros onde esses visitantes deixaram suas impressões. Com orgulho, ele mostra entre tantas, uma foto em que o ex-ministro da Marinha, almirante Augusto Rademaker escrevia suas observações. E o detalhe da visita ao concluir, o almirante pediu aos membros de sua comitiva para que ficasse de pé, para ouvir a leitura de suas impressões. As reminiscências dos dias febris da coleta de peças raras são, hoje parte do dia a dia de Ubirajara, que se tornou conhecido, especialmente entre a garotada, como o “comprador de caretas”. Gente da cidade, dos arredores e do interior, trazia as peças achadas e as vendia ao colecionador que também dedicava-se a escavar extensas áreas muitas vezes no centro da cidade.

Seu sonho de ver seu respeitável acervo transformado num grande museu, em Santarém,  o que seria com toda justiça motivo de maior orgulho para a cidade e para o Estado, já não podem concretizar-se. Porém nem tudo está perdido. As três mil peças restantes poderão em breve passar para o domínio do município ou do Estado, permanecendo em exposição na casa da cultura. Esforço nesse sentido está sendo desenvolvido pela redeviva Sociedade Cultural e Etnográfica de Santarém, que espera o indispensável apoio do poder público. A prefeitura prometeu dar apoio, no sentido de apelar junto a órgão que pudessem dar o suporte financeiro. Segundo Ubirajara, o conjunto de peças está avaliado atualmente em 187 mil cruzeiros. A avaliação foi feita recentemente por um perito amigo do proprietário, porém ele está pedindo somente 100 mil cruzeiros. Enquanto os membros da Sociedade aguardam  uma palavra final do prefeito Paulo Lisboa sobre a compra, o colecionador deu um prazo de 60 dias para a espera, depois do que, se não sair a solução, ele poderá abrir a possibilidade de vender a quem aparecer primeiro, atitude até certo ponto compreensível, de vez que as peças restantes, mesmo que tenham discutível valor, já não poderão constituir o museu sonhado pelo “comprador de caretas”.

“Coleção extraordinária”
Personalidades como o Xá Rehzza Palevi, do Irã, chegaram a referir-se sobre a cerâmica dos Tapajós Publicamente. Durante sua visita ao Brasil, em anos passados, o Xá, em entrevista coletiva no Rio de Janeiro, lamentou não poder vir até o Pará conhecer o museu de Ubirajara, sobre o qual tinha boas informações. No livro onde estão registradas milhares de impressões de visitantes, lê-se entre outras, o espanto do casal de jornalistas e pesquisadores do National Geographic Society, de Washington: “Em sete meses de viagem através da Amazônia, de sua nascente, no Peru até Santarém, não tínhamos encontrado uma coleção tão extraordinária”. Ou a observação do jornalista alemão Rainer Hutz que escreveu que “depois de visitar a maioria dos locais arqueólogos da América do Sul, este parece ser o mais importante e inesperado fim de uma viagem de descobertas”. E o colecionador recorda, com saudades, o tempo em que sua casa era parada obrigatória de visitantes ilustres, ressaltando até o fato da visita do ex-rei Leopoldo da Bélgica. Sintomaticamente, no registro de visitas é muito mais freqüente a assinatura de estrangeiros, levando a crer que foi quase milagre ou simplesmente o patriotismo confessado de Ubirajara que impediram as excelências  de arte e habilidade manual saídos do espírito dos Tapajós de estar hoje num grande museu de uma capital norte americana ou européia, de onde partiu o maior interesse pelo tesouro e onde foram feitas as mais sérias divulgações sobre o assunto. Na imprensa local alguns registros podem ser encontrados, quase sempre superficiais, salvo poucas exceções, geralmente por ocasião da visita de uma personalidade ao museu particular, revelando que a publicação enfatizava a personalidade e não o acervo.


As três mil peças restantes, se concretizados os entendimentos, ainda poderão permanecer em Santarém, seu lugar natural, mesmo levando em conta que na cidade raríssimas pessoas as conhecem. Nas escolas, alunos e professores desconhecem o que deixaram os primeiros habitantes da região, como desconhecida é a historia de um povo que enfrentou valentemente, até o desaparecimento, o colonizador. Contudo, não admirará se ocorrer o contrário e algum mercador de raridades açambarcar o que restou da coleção, esfacelando o que deveria constituir-se parte integrante da memória de um povo. Finalmente, em Santarém nos últimos 15 anos, destruiu-se o teatro vitória, em sua modéstia um dos únicos monumentos do lugar, construído quase a época dos Teatros da Paz e Amazonas, descaracterizou-se totalmente   a arquitetura interna da Catedral da Imaculada Conceição e chegou-se a atear fogo em preciosas coleções existentes na biblioteca pública. Recentemente a direção de um colégio particular resolveu “modernizar” sua biblioteca queimando obras antigas e, por sorte, alguém conseguiu retirar da fogueira algumas obras hoje valendo verdadeiras fortunas em selos de algumas capitais, entre elas livros raros sobre a ação dos jesuítas que acompanharam o colonizador desde os primeiros dias na Amazônia. Dentro em breve, mais que outros lugares, Santarém poderá ser uma cidade inteiramente “desmemoriada” pois, até os dois ou três imóveis com algum valor histórico estão não apenas abandonados, mas sendo “adaptados” para servir de lojas e depósitos.

 
A salvação do que resta de cerâmica dos tapajós seria o mínimo para reparar mais uma grave erro cometido, numa cidade onde, pelo seu porte, é possível palpar a crueldade do progresso material recente.

O desprezo pelo passado, pela conquista de povos ainda hoje considerados inferiores, não seria, em certa medida, um desprezo pelo presente, resultante na falta de fé  na sobrevivência espiritual  dos que hoje vivem , apenas, sobre o mesmo (...................) quando de sua campanha em prol do Rearmamento Moral, passou por Santarém e deixou escrito que “é uma experiência excepcional olhar esses objetos (...) Construamos um futuro decente para o mundo, antes que o homem se torne permanentemente fossilizado”.



Fonte: Manuel Dultra - jornal A Província do Pará - junho de 1977