Você se Lembra?

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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Bendito Rio Tapajós, 1950

Na região de Lábrea, no estado do Amazonas, estava grassando uma epidemia de uma doença não identificada de pronto. Os órgãos oficiais de saúde resolveram enviar àquela região um grupo de médicos e pesquisadores, com vistas a diagnosticar o que estava ocorrendo.

Foi solicitado à Base Aérea de Belém que fornecesse a essa missão transporte aéreo, que só poderia ser realizado por avião CATALINA, pois não havia campo de pouso naquela cidade nem em suas proximidades.
     

Em novembro de 1950 o CATALINA 6527, decolou de Belém levando a comitiva médica, tendo como pilotos os tenentes Pereira Sobrinho e Coelho de Souza. O avião pousou em Santarém, onde foi abastecido a pleno, pois havia pouca gasolina em Manaus, onde seria reabastecido. Com seus tanques cheios o avião tornou-se pesado, acima de seu peso normal de operação na região amazônica.
     

A pista de Santarém era coberta por uma tênue pintura asfáltica tinha pouco mais de 800 metros e a direção do vento indicava que a decolagem deveria ser feita no sentido da floresta para o rio. O piloto, após as verificações e o cheque de motores costumeiros, entrou na pista, alinhou o avião e aplicou plena potência em ambos os motores. O CATALINA iniciou a corrida de decolagem com aceleração menor que a normal, devido ao elevado peso. Próximo ao fim da pista a garça decolou, iniciando uma subida lenta. Quando o trem de pouso estava sendo recolhido, o motor direito deu umas tossidas e teve perda de potência quase total. O mecânico, bastante experiente e profundo conhecedor do CATALINA, identificou logo a causa da perda de potência: a pressão de gasolina nesse motor havia caído para zero. Imediatamente começou a acionar vigorosamente a bomba manual de combustível que ficava no painel de seu pequeno cubículo, o que permitiu que o motor funcionasse intermitentemente, mas com pouca potência, pois o débito de gasolina enviada pela bomba manual não era suficiente para a operação normal do motor.

O piloto, ao perceber a anormalidade, procurou manter o avião em vôo e conseguiu desviar da chaminé de tijolo da usina termoelétrica da cidade. Ao se aproximar da margem do rio Tapajós, comandou baixar os flutuadores, e seguiu desviando dos mastros de algumas embarcações ancoradas diante da cidade. Conseguiu fazer um pouso n’água quase normal, sem nenhum dano ao avião ou às pessoas que estavam a bordo, tripulantes e passageiros. 

A bóia de Santarém ficava localizada em um remanso abrigado, próximo ao porto. Um remanso sempre é enganador, pois muitas vezes a correnteza do rio que vai em uma direção, nas proximidades do remanso parte dela muda de direção, como se fosse formar um grande rodamoinho. Além disso, o cabo da bóia não era verificado, utilizado nem trocado há muito tempo, pois tanto os CATALINA da FAB como os da PANAIR só operavam do aeródromo. Raramente um PBY-5 (hidro) pousava em Santarém.
     

Apesar de todas as dificuldades o piloto, experiente em hidro-aviação pois havia completado nos EUA seu curso de Piloto Naval e Piloto de Patrulha voando o PBM MARTIN, talvez o maior hidro-avião militar existente, conseguiu se aproximar da bóia e, com grande habilidade, prender o avião ao cabo. O motor só seria cortado quando houvesse a certeza de que o avião estava “amarrado”. Pela inércia o avião ainda se deslocou um pouco à frente, o que foi suficiente para arrebentar o cabo apodrecido. Novas peripécias para sair da área onde se encontravam vários barcos e ser socorrido por uma lancha que, com um cabo novo, rebocou o avião até a bóia.

Após prender o avião no novo cabo da bóia, os mecânicos, com o auxílio das plataformas, iniciaram o trabalho de pesquisa sobre a origem da pane. Foram retiradas as carenagens do motor e feitos alguns testes. Logo foi identificada a causa da pane: o eixo da bomba de gasolina havia partido.
    

Enquanto os mecânicos trabalhavam sob o sol inclemente, foi enviada mensagem ao Esquadrão em Belém solicitando a remessa de uma bomba e, se possível, outro avião para continuar a viagem para Lábrea.Como eu era o Oficial de Material do Esquadrão, fui escalado para levar outro avião, o 6526, e entregá-lo à tripulação do 6527 para a continuação da viagem. Levei a bordo do 6526 uma pequena equipe de especialistas equipada para efetuar o reparo no 6527. Pousei no aeroporto de Santarém lá pelas 11:00 da manhã, quando então entreguei o 6526, no aeroporto, para o prosseguimento da missão. O avião decolou em seguida para Manaus e nós nos dirigimos para o local onde estava o 6527. Em lá chegando, constatamos que não era possível trabalhar em determinadas horas, devido ao fato de que as chapas do avião estarem muito quentes, impossibilitando que nelas se tocasse. Decidimos trabalhar um pouco entre 17:00 e o por do sol e, no dia seguinte, iniciar os trabalhos no nascer do sol e prosseguir até quando a temperatura das chapas permitisse.
     

Terminada a troca da bomba, dei partida nos motores e soltei o cabo da bóia. A pressão da gasolina estava normal permitindo que eu decolasse e voasse cerca de 30 minutos sobre o aeródromo, onde pousei. Em seguida regressei a Balem.
    

Essa são algumas peculiaridades do CATALINA. Em caso de pane, havendo um rio ou lago nas proximidades, ele pode pousar sem grandes riscos. Em compensação, fazer serviços de manutenção no avião, pousado n’água, é trabalho complicado e lento, devido à exigüidade de espaço.

Cel. Av. José de Carvalho

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