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domingo, 24 de abril de 2022

As Parteiras de Santarém

Nas décadas de 1940 a 1960, no Brasil, o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp) dedicou particular atenção à realização de programas de higiene pré-natal e da criança, com a finalidade de auxiliar o trabalho de parteiras em comunidades rurais de todo o país. Para compreender melhor como se deu esse processo de tentativa de organização de serviços de partos em domicílio, a pesquisadora Tânia de Almeida Silva, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), e o historiador Luiz Otávio Ferreira, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), resolveram investigar registros históricos das ações de treinamento e controle de parteiras curiosas promovidas pelo Sesp. O estudo foi publicado em artigo publicado na revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos da Fiocruz.



"Para os sanitaristas, o treinamento e controle das parteiras curiosas atuantes nas comunidades rurais brasileiras eram importantes para o sucesso do projeto de implantação de serviços sanitários locais de assistência materno-infantil”, explicam os pesquisadores. “Ao atuar diretamente junto às parteiras curiosas, pretendia-se não somente lhe impor rigorosos padrões higiênicos na realização de partos e nos cuidados com recém-nascidos, mas, sobretudo, recorrer a sua influência e seu prestígio naquelas comunidades para popularizar ações de saneamento”.

De acordo com os estudiosos, as equipes de ensino do Sesp eram, em geral, formadas por dois tipos de profissionais: uma enfermeira e um médico. Os treinamentos incluíam demonstrações práticas, debate em grupo, exibição de filmes e observação de atendimentos. A frequência regular às sessões de instrução e o bom desempenho nas aulas garantiam como bônus, inclusive, a obtenção de uma bolsa com material esterilizado voltado para cuidados no parto. Após o curso, as parteiras passavam a ser vinculadas a uma unidade de saúde e ficavam sob supervisão  contínua. 


Na verdade, as parteiras, mesmo depois de treinadas, continuavam a atuar como praticantes de um ofício popular de cura, típico do estilo de vida das pequenas comunidades interioranas”, comentam os pesquisadores. Essa resistência constituía um obstáculo, pois a não adesão às práticas ensinadas era vista como prejudicial à saúde da mãe e do bebê. “Atribuía-se à cultura popular, considerada fonte de ‘ignorância e maus hábitos’, a responsabilidade pelos problemas de saúde do povo. Supunha-se que a educação sanitária, como pratica técnica e científica voltada para a disseminação de valores e hábitos higiênicos, fosse capaz de transformar os costumes das populações melhorando sua qualidade de vida e saúde”, comentam os estudiosos.
Um dos mais criticados tratamentos efetuados pelas parteiras era unção do coto umbilical do recém-nascido com cinzas obtidas de um preparado à base de ervas. “O apego das parteiras a esse tipo de prática, fundamentado em crenças e tradições populares, era constantemente combatido pelos profissionais sanitários, durantes os encontros para fins educativos oferecidos às curiosas”, destacam os pesquisadores. Outro exemplo de conflito tinha relação com a posição adotada pela mãe no momento do nascimento. “Para a ciência obstétrica, a mulher deveria estar em posição horizontal, deitada de costas na cama, ao passo que, de acordo com o conhecimento da parteira, a parturiente deveria estar em posição vertical, sentada num banco ou cadeira apropriada à situação”.

Os estudiosos ainda apontam que, para ganhar a confiança das parteiras, era necessário aos sanitaristas conhecer seu sistema de crenças e práticas para somente depois modifica-lo segundo seus próprios padrões. “Naquele contexto, as curiosas eram vistas como um grupo social que estorvava o caminho das ações sanitárias. Não obstante, não deveriam ser combatidas frontalmente, e sim convertidas em aliadas para que, na medida do possível, a instituição usufruísse de seu prestígio e sua influência junto às comunidades. Com isso, pretendia-se viabilizar a educação sanitária das populações rurais do país e, ao mesmo tempo, transformar sua tradicional prestação de cuidados em saúde numa ação sanitária, o que não deixa de significar um modo de exercer controle sobre o grupo”, concluem os pesquisadores.

Um comentário:

  1. Minha avó Sérgia Riker aparece nas fotos. Na segunda foto ela é a primeira da direita para esquerda. Na última foto ela é a segunda jovem da esquerda para direita. Eu tenho uma foto rara do trabalho feito em Belterra. Abraços

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