Vou contar uma estória verídica que se passou em Santarém, na década de sessenta, quando ainda não havia televisão.
Só sabíamos dos ídolos da música popular e do cinema pelas revistas que chegavam, por sinal, quase sempre desatualizadas.
Testemunhas oculares e presenciais deste fato ainda existem aos montes por aí.
Nos anos dourados de mil novecentos e sessenta e quatro eu fazia o serviço militar no Tiro de Guerra 190, que ficava na confluência da Travessa Quinze de Novembro com a Rua Galdino Veloso.
Eram épocas saudosas de levantar às quatro da manhã para fazer ginástica, de ir ao “stand”, ali por detrás da Serra Piroca, percorrendo aproximadamente cinco ou seis quilômetros em compasso acelerado, na poeira e na areia quente, para praticar tiro ao alvo com aqueles fuzis pesados, que davam coice para trás, podendo até mesmo quebrar a clavícula, se não fossem bem aprumados na hora do disparo.
E a maneabilidade? Segundo os Sargentos era para ganharmos rusticidade. Ficávamos exaustos. Correr, agachar, rastejar, cavar trincheira, formar grupo de combate (municiadores, cabos auxiliares, atiradores etc). Depois ainda tínhamos que desmontar, limpar e montar o fuzil, quando a “mola do percursor” quase sempre apertava no dedo e nos fazia lagrimar de dor... Tudo pela pátria.
Mas, se era tempo de purgatório alguns de nós, felizardos, passávamos também horas deliciosas no paraíso.
É que alguns soldados eram escolhidos para ensinar as moças do Colégio Santa Clara a marchar para o desfile de sete de setembro.
Fui um dos escalados. Era um privilégio especialíssimo, por motivos óbvios (lá estudava a maioria das jovens mais bonitas da cidade e de toda a região).
Ao final do ensaio as freiras nos chamavam e mandavam servir docinhos, sucos de fruta e todo mundo sabe que nos conventos se cozinha muito bem.
As alunas aprendiam a marchar ao longo da Avenida Rio Branco, que passa ao lado do colégio e era caminho para o Aeroporto Velho, onde hoje é um bairro e está a Prefeitura.
Na época não havia, ainda, asfalto. Do chão levantava muita poeira vermelha que fazia espirrar e sujava a roupa.
Quatro horas da tarde de uma quinta-feira calorenta e sossegada, como eram e são, aliás, as tardes santarenas.
A marcha prosseguia na mais perfeita disciplina. Os tambores tocando, os instrutores comandando “escola, cobrir!” "Meia volta...” volver!... alto!... O olhar severo das freiras era mais temido do que a bronca dos Sargentos... Ninguém podia rir, olhar as pernas das meninas, tirar qualquer gracinha. Elas denunciavam e nós, soldados, poderíamos ir presos e, o que era pior, poderíamos ser substituídos por outro instrutor que aguardava impaciente, a oportunidade de ouro de comandar aquelas deusas de uniforme azul e branco.
Pois é, nessa tarde tranqüila as meninas marchavam e os instrutores, como sempre, babavam...
De repente, não se sabe de onde, chega a notícia de que Roberto Carlos, o rei da Jovem Guarda, estava no Aeroporto.
Um figurão desses, uma celebridade desse naipe em nossa cidade tinha o mesmo impacto da descida de um E.T. num disco voador.
O avião que o levava para Manaus resolvera permanecer algum tempo a mais em terra para resolver problemas técnicos.
Quando as meninas souberam, foi uma gritaria geral. As jovens esqueceram os tambores, a marcha, as freiras, os soldadinhos e saíram correndo, subindo a avenida empoeirada no rumo do Aeroporto, que antigamente, como já disse, ficava perto, no fim da rua, e também era conhecido como “Campo da Aviação”.
Os corações sonhadores falaram mais alto. Elas literalmente estavam “mandando tudo pro inferno” para conhecer o ídolo máximo da juventude no país que era governado pelos militares.
Confesso que na oportunidade fiquei enciumado. Eu gostava do Roberto, mas, despeitados, nós os instrutores tivemos vontade de dizer que ele era “bicha, cabeludo” e coisas do gênero. Não ia adiantar, claro.
Quando elas chegaram à pista de pouso, (quem me contou foi a ex-aluna e minha amiga Glória Almeida, hoje no Rio de Janeiro e que participou do episódio) o Rei da Juventude chegou à porta do avião, acenou com um lenço branco, sorriu e depois se recolheu.
Nesse momento mágico que durou cerca de um minuto, mas pareceu eterno, gritinhos, desmaios e coisas assim:
- Roberto, eu te amo... Vem cá... Ai, meu Deus, ele é liiiindoooo!!!...
Acho que até vi a Madre Superiora mal disfarçando a agitação e a ansiedade, na porta do colégio.
Afinal de contas, Roberto era o cantor dos sucessos que nos faziam felizes na época.
A marcha... Bem, que importância tinha, agora, diante do Calhambeque?
Algum tempo depois me contaram que a passagem do cantor por Santarém chegou até romper um noivado. Não me pergunte o nome dos noivos, que não conto, mesmo!
Ora, quem mandou a noiva, de aliança no dedo, correr para o Campo da Aviação, chamar de lindo e de meu amor para o Rei da Juventude?
Na época o pobre noivo deve ter achado que tinha sido traído e mandou tudo “pro inferno”.
Ah, daqui a pouco vou assistir, com minha mulher, um DVD do Robertão. Gravado ao vivo. Como os tempos mudam, não?
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