Santarém, novembro de 1953.
Passava de meia noite, quando um clarão distante e um farol de luz giratória preveniram a chegada a Santarém, a terceira cidade da Amazônia
Santarém ainda não dispõe de porto. Dizem os oposicionistas e até existem cartazes espalhados pela cidade dizendo que o dinheiro federal foi desviado, pelas autoridades municipais. Por isto, o “Acre” nossa embarcação teria de encostar no vaticano da SNAPP(serviço de navegação da Amazônia e de administração do porto do Pará) atracado no trapiche municipal.
Muito decepcionam os hotéis de Santarém, primitivos e paupérrimos, incompatíveis com o tamanho, com o desenvolvimento da cidade, com a cultura e espírito hospitaleiro de seu povo. As hospedarias não oferecem qualquer conforto. Ficamos hospedados no Hotel Tapajós no centro comercial de Santarém.
Santarém , com 17.000 habitantes, localizada diante da confluência do Tapajós com o Amazonas, na margem direita. Ruas estreitas no centro, com casinhas velhas, coladas umas nas outras. Mercado com intenso movimento pela manhã, apresentando frutas e peixes em abundância, na praia, trazidos pelo grande número de embarcações com velas coloridas. Abacaxis grandes a sete cruzeiros. Melancias de dois a três cruzeiros. Uma dúzia de bananas: quatro cruzeiros. Carne de gado a quinze cruzeiros o quilo e farta. Um ovo: um cruzeiro e cinqüenta centavos. Peixes predominantes: o tucunaré, a pescada branca, o acará e o pirarucu.
Um operário ganha vinte a vinte e cinco cruzeiros, por dia. Pode-se, pois, imaginar porque há fartura no mercado e não obstante a população tem aspecto doentio, franzino, vestindo-se mal e anda descalça na maioria. Num bairro proletário de ruas largas, os lotes são obtidos facilmente e neles armam ranchos inteiramente de palha, inclusive paredes e portas, sobre a terra batida.
Há uma bela pracinha, em que se ergue a catedral, a maior edificação, como ocorre em quase todas as cidades e povoados. Bastante rica, tendo-se em vista a miséria ambiente, abriga o famoso crucifixo doado pelo sábio naturalista bávaro Von Martius. A placa explicativa diz: “membro da Academia Real das Ciências de Munich, fazendo em 1817 a 1820, de ordem de Maximiliano José, Rei da Baviera, uma viagem científica pelo Brasil, e tendo sido aos 18 de setembro de 1819 salvo por misericórdia divina do furor das ondas do Amazonas, junto à vila de Santarém, mandou como monumento de sua pia gratidão, ao Todo Poderoso, erigir este crucifixo nesta Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no ano de 1846”.
Algumas seitas protestantes também ostentam templos notáveis, no meio do casario velho.
A rádio-emissora destrói o silêncio com alto-falantes colocados em lugares estratégicos. Por eles soubemos imediatamente que havia um telegrama retido, para nós, por falta de endereço.
Diante da cidade, parece descortina-se o oceano. Grandes cargueiros do Loide, transatlânticos ingleses passam em direção a Manaus, ou de volta. Na praia larga, acorrem banhistas. A junção das águas do Tapajós com as do Amazonas constitui espetáculo renovado todos os dias. Aquelas são claras e azuladas. Estas barrentas. O amazonas ora comprime o Tapajós, fazendo a linha de separação correr na barra, ora o maravilhoso fluente penetra, empurrando a divisória para bem longe, como se o grande rio fosse uma corrente de água de duas cores, bem diferentes. Centenas de embarcações de todos os tipos mostram a importância da rede potamográfica nos transportes e comunicações com a cidade. À noite, o cinema enche-se de espectadores, mas um passeio na praça e na longa rua que circunda a praia, recebendo a aragem refrescante, agrada muito mais. Entrar nos botequins, assistir as conversas a distância, conhecer os hábitos, as inclinações, examinar nas lojas as curiosidades do artesanato local, maravilhar-se com o leques de plumas de muanã, paturi, tucanos e outras aves com base de patichuli, as bolsas de tecido de palha, as ventarolas, as cuias com pinturas regionais e chapéus de palha com desenhos primorosos obtidos no próprio trançado, transmitem soma incalculável de distrações úteis.
Diga-se de passagem que os leques de Santarém impressionaram mais os
amigos do Rio, do que todas as curiosidades levadas, inclusive da
Guatemala e do México, circuito de que a Amazônia foi a última etapa.
A
chegada de Mário Guimarães, o impecável cicerone colocado pelo Banco de
Crédito da Amazônia, S.A., à minha disposição, para facilitar o
desempenho dos estudos sobre tarefas florestais para a “Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura”, que venho realizando
paralelamente, tornou a permanência em Santarém ainda mais encantadora.
Com ele e com Humberto Miranda Bastos, Inspetor Regional do Serviço
Florestal na Amazônia, penetramos na intimidade do excelente povo,
comemos pato ao tucupi e tartaruga de diversos modos, na residência de
Eloi paz, gerente do Banco de Crédito da Amazônia. Na cidade, dançamos
no hotel e num iate, num piquenique à praia de Maria José, recanto
paradisíaco, numa das curvas do soberbo Tapajós – tão lindo como
Paquetá, ou mais.
Osny e sua esposa se deliciando nas águas do Rio Taapajó. Foto V. Bemerguy |
Na residência do juiz de direito, Dr. Aluízio da Silva Leal, esperamos longamente o regresso de sua Exma. Senhora que tinha ido à aula de inglês no grande colégio dos padres norte-americanos: A coqueluche da alta sociedade santarena. Como são elogiados! Como são queridos! Alguém dizia a propósito: “Aqueles, sim, são os verdadeiros sacerdotes. Não tem o ranço medieval dos padres católicos e brasileiros, cheios de complexos, de hipocrisias. Almas francas. Esportistas. Não fazem da batina um tabu. Tomam banho no rio com os outros. Criaturas encantadoras. Não caçam espórtulas, a qualquer pretexto. Tem sempre dólares, para se trocar, quando desejamos mandar buscar qualquer coisa nos Estados Unidos, ou comprar algum contrabandozinho nos navios da “Booth Line”...
Como se vê: os ianques transformaram o fácies amazônico, com uma rapidez e uma eficiência alucinantes.
Encerrando a temporada de Santarém, encaminhamo-nos ao seu magnífico aeroporto, com ampla pista asfaltada, condignas instalações no edifício, para os passageiros. Assim seguimos para Manaus deixando a cidade de Santarém aonde espero um dia voltar.
Fonte: Livro Desnacionalização da Amazônia (Osny Duarte Pereira)
Falando em Dr, Aluizio, tive a satisfação de conhece-los morando na praça de São Sebatião e também dizer que fui colega do Aluizio seu filho
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