A geração mais antiga de Santarém deve se lembrar de como era nossa orla em frente à cidade, principalmente no longo trecho do antigo bairro da Aldeia. Alguém pode até recordar desse panorama com saudosismo, e desejar que ainda fosse daquele jeito, mas tudo muda, a fila anda e o progresso chega.
Então se pergunta: “Era melhor naquele tempo de cidade bucólica, ou agora? Com o cais de arrimo construído pelos governos militares e a nova e moderna forma do “Projeto Orla”?
Para refrescar a memória de alguns e informar os mais jovens que não presenciaram isso, lembro que tínhamos boas dádivas da natureza, sim, como a praia da “Vera Paz”, onde se localizava o estaleiro do Sr. Capiberibe e brincávamos de “pira” sobre as grandes “alvarengas” (barcaças de reboque para transporte de cargas).
Elas ficavam ali para reparos. Tinham chapas de aço dos conveses de seus cascos eram tão grossas que esquentavam tanto que queimavam nossos pés (tem a sucata de uma, ao lado do lago Juá), e nessa mesma área ficava a ruína da poética “Caieira”, onde se fabricava cal – talvez tenha sido a primeira indústria de Santarém, onde brinquei muito com meus irmãos dentro dos fornos semi-interrados deste projeto abandonado.
A “Coroa de Areia”, que ficava frontal a hoje Delegacia Fluvial, onde no verão os barcos faziam de ancoradouro e proteção contra os temporais varzeiros e servia também como praia de banho, onde se viam famílias inteiras se banhando, e as crianças com água pelos joelhos na parte interna da enseada, correndo atrás das “piabas doidas” que cortavam a água só com as pontas dos rabos parecendo pequenas voadeiras, o que era a diversão da molecada…
A enseada do Laguinho, onde a família Magalhães cultivava verduras e legumes entre a “Vera Paz” e essa enseada. Esses eram lugares bonitos que dão saudades. Mas próximo a esses paraísos tínhamos também o “Curro Velho”, que ficava onde é hoje a loja Sacolão dos Importados.
Era um lugar deprimente, mas que para nós, naquela época, passava despercebido pela ausência de conhecimentos sociais, ambientais e até mesmo de higiene, pois fui muitas vezes comprar “miúdos de boi” (mistura de vísceras) no próprio curro, e tinha o costume de ir mais cedo só para ficar trepado nos currais, olhando as laçadas dos bois que seriam abatidos logo a seguir. Víamos os procedimentos de sangria, descoura e esquartejamentos dos animais sem proibições nem cerimônias…
Logo à frente desse matadouro municipal, na praia, à beira de um barranco que chamávamos de “covão”, ficava um cemitério a céu aberto de carcaças de bois (ossadas, couros, cabeças com chifres, etc.) que morriam de qualquer coisa e eram jogados inteiros sem critério algum, o que atraía revoadas de urubus sobre essa área e que nas enchentes ficavam submersos disseminando necrochorume das carniças na água onde pessoas se banhavam, pescavam e até coletavam água para uso nas casas de pescadores que ficavam embaixo de grandes mangueiras, onde hoje se encontra construído o Mercadão 2000.
Local inclusive onde eu nasci, em uma dessas humildes casas no ano de 1953. E logo atrás ficava o Campo do Veterano, dos concorridíssimos torneios de bairros…
Quem caminhava pela praia para ir até ao Mercado Municipal ou no Ver-o-Peso, para suas compras diárias, passava por todos esses lugares, que ao lado do “Curro Velho” ficava um casarão bonito dos missionários americanos que existe até hoje. Quando menino ao passar aí, ficava olhando eles abaterem urubus que pousavam em seus coqueiros, com seus rifles de precisão, um pouco a frente tinha a casa do Sr. Zezinho Dentista, onde hoje foi construído um grande e moderno Hotel, na outra esquina a seguir ficava a sortida mercearia do Sr. Palmerita, por onde na época de enchente, passávamos rés a sua cerca sobre frágeis pontes feitas em madeiras.
A área da hoje Praça Tiradentes, era ocupada por estâncias das famílias; Furtado e Coutinho, que vendiam madeiras, telhas e tijolos vindos das ilhas próximo à Belém, transportadas por barcos típicos daquela região da Ilha de Marajó e da Baía de Guajará (canoões abaeté) motorizados, mas que usavam vela também. Em frente à Casa dos Padres do São Raimundo, ficavam grandes lanchas de alumínio utilizadas por eles em suas viagens missionárias para o interior.
Mas pitoresco mesmo, era vermos na praia em frente ao Mercado Municipal reconstruído, (o primeiro mercado ficava na Rua Lameira Bittencourt, ao lado do já também inexistente Castelo do Hotel Mocorongo), a exposição da salga e secagem dos peixes “mapará” e “piramutaba” nos varais enfileirados iguais a bandeirinhas de arraial junino, que eram ensacados e exportados para o Nordeste (na época não existia congelamento).
Via-se também o farto comércio do peixe fresco na beira do rio, alguns ainda vivos, vendedores de verduras e os montes de melancias trazidas das várzeas juntamente com tracajás. Tempos bons que não voltam mais…
Texto: David Marinho
Foto: http://fragmentosdebelem.tumblr.com/
Dr. Ubirajara Bentes. Muito obrigado pela "original ilustração" de nosso texto. Não sabia que o curro mais antigo foi na hoje Praça Tiradentes. Lembro-me somente do que ficava onde está hoje o Lojão do Importados, próximo ao Mercadão 2000.
ResponderExcluirParabéns pelo grande e valioso acervo sobre nossa Santarém, que sempre vejo em postagens nos blogs da cidade.
Cordiais Saudações.