Em Santarém, Pará, ao lado do Hotel Nova Olinda, há um
escritório de advocacia de características exclusivas no Brasil: ali se acha a
maior coleção de arte tapajó do mundo.
O dr.
Ubirajara Bentes, natural de Belém, onde se formou em direito, reside em
Santarém desde 1940, quando iniciou sua fabulosa coleção, hoje com mais de 30
mil peças. Para se fazer uma idéia do que isso significa, basta dizer que é
mais do dobro do que possui o Museu Emílio Goeldi, de Belém, especializado na
matéria.
Nossos índios e sua arte
Nossos índios e sua arte
Durante
muito tempo, foi dito que os nossos índios tinham uma cultura pobre, atrasada
e, portanto, nada tinham produzido em obras de arte. De todo o Brasil,
apontava-se como exceção única a cultura marajoara.
Um dia,
em 1923, Unkel Nimuendaju, cientista alemão do Museu de Bonn, descobriu que, no
vale do Rio Tapajós, houve civilizações pré-cabalinas à altura daquelas do
México e do Peru. Suas pesquisas no local enfrentaram alguns obstáculos e até
incidentes tristes e pitorescos. Conta-se em Santarém que, certa noite, um
português, observando o cientista alemão cavando incansavelmente nos arredores
da cidade, concluiu que aquela “louça velha” era um pretexto: o alemão estava
procurando ouro. E, aguardando que o alemão ser retirasse, iniciou suas
escavações. Naquela noite, centenas de cerâmicas de valor inestimável foram destruídas pela
picareta do Manuel.
Mas
muita coisa ficou por lá, e a coleção de Ubirajara é um desmentido concreto à
tese do atraso e pobreza cultural dos nossos índios.
Uma teoria das migrações
De tanto estudar a vida indígena, o advogado Ubirajara
Bentes tornou-se expert no assunto. E construiu teorias próprias. A das
migrações, por exemplo:
- As
raças humanas são provenientes de duas raízes principais: uma imediatamente
acima do Equador e outra imediatamente abaixo. Essas duas correntes emigrarão
sempre horizontalmente, sem nunca se tocarem.
Ubirajara apresenta provas. Entre outras, o fato de as flechas de todas
as tribos encontradas abaixo do Equador serem idênticas, dentro de cada tipo.
A
noticia mais antiga que se tem dos índios da região dos Tapajós foi legada por
Batendorf que, no século XVII, escreveu a crônica de um missão jesuíta por
aquelas bandas: “As mulheres carregavam o vinho até uma clareira chamada
Terreiro do Diabo, onde eram obrigadas a agachar-se e tapar os olhos para não
verem os homens que dançavam e bebiam cerimonialmente. Os feiticeiros então
tomavam a palavra, fazendo acreditar tratar-se da voz do próprio diabo”.
(Note-se que o vinho em questão era feito de arroz. Quanto a mulheres tapando
os olhos, são bastante comuns na estatuaria primitiva.
Coleção vale um milhão
A
cerâmica Tapajó se divide em cinco grandes estilos, cada um correspondendo a
uma época diferente e, provavelmente, também a tribos diferentes. As mais
primitivas são as peças pertencentes ao grupo da pedra preta e do barro bruto.
Seguem-se o barro preto, o barro amarelo e o barro pintado. Tais cerâmicas são
facilmente distinguíveis da arte marajoara: os motivos são mais realistas,
geralmente zoomórficos ou antropormóficos, enquanto que a cerâmica de Marajó quase
sempre apresenta formas não realistas ou estilizadas.
A
coleção de Ubirajara é farta em exemplos de todos esses estilos e suas
variações. Mas o colecionador luta com um problema: falta de espaço. Há
caixotes de peças que ele nunca mais abriu, desde o dia em que foram arrancadas
da terra. E o que esta exposto fica em prateleiras pequenas e inadequadas, o
que torna sua exibição trabalhos e mesmo perigosa: há sempre alguém querendo
furtar as preciosidades.
Preciosidades, literalmente. Basta dizer que uma instituição americana
ofereceu um milhão de dólares pela coleção de Ubirajara Bentes. Ele diz que não
vende, é claro. Não deseja ver aquelas peças saírem do Brasil. Gostaria, sim,
de ver sua coleção adquirida pelo próprio governo brasileiro, para preservar,
intacto e inseparável, esse patrimônio de enorme valor cultural.
Fonte: Revista O Cruzeiro - Julho de 1972
Fonte: Revista O Cruzeiro - Julho de 1972
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